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prelúdio: penumbras do sonhar

  • Foto do escritor: Kevin de Almeida
    Kevin de Almeida
  • 30 de abr. de 2020
  • 9 min de leitura

Atualizado: 9 de jul. de 2021


Laster estava atrás de um muro alto. Tomava cobertura como um soldado na guerra. Ofegante, preocupado, atento. Ele agacha e olha por uma rachadura. Três pequenas arvores, um canteiro, uma cerca de madeira e finalmente a parede amarela, seu objetivo. Ninguém mais a vista. Laster então respira fundo, toma coragem, e sai correndo euforicamente em direção à parede. Ao fundo, escuta passos acelerados, e ao olhar, vê uma silhueta que passa por ele tao rápido que não há tempo suficiente para identificar. É tarde demais.

- 1, 2, 3 Laster! Te achei! – Diz o pequenino de roupas maltrapilhas e chinelo nas mãos.

- Voce é muito rápido San, pensei que desta vez conseguiria te vencer – Laster fala frustrado.

- Lhe dou uma última chance se quiser – San esnoba-o com expressão confiante.

- Bem que gostaria, mas já está na hora do almoço, não quero ouvir meu pai balbuciando para meu lado por eu estar na vila de novo. – Laster termina enquanto acena em sinal de despedida. San consente e se despede do amigo enquanto o vê subir a rua de terra em direção à mansão na alameda 33.

Um casario enorme e bem cuidado de 4 andares, com um jardim vasto e extenso. Laster corre para a entrada, pois jurava estar atrasado. A sala de jantar é no terceiro andar, e como uma lebre ele agilmente passa pelas enormes portas de madeira, pelo saguão principal, e adentra nas escadarias da parte de trás. Ele sobe ofegante os três lances de escada, toma folego, ajeita sua roupinha engomada e empoeirada da brincadeira, e enfim abre a porta.

- Estranho, tenho certeza que subi três lances de escada. – Pensa confuso ao se deparar com o sótão no quarto andar. Ele desce um lance e abre a porta seguinte. – O que?! Primeiro andar?! – Laster indaga um pouco assustado. Logo, sobe impaciente mais dois andares e se depara com uma parede no lugar da porta, sem saída, no que parece um terraço fechado, com o teto a 3 metros a cima dele.

- Que raios está acontecendo?! – Pensa consigo.

- Ei, garoto! Está perdido de novo? – Uma voz desconhecida vem de cima. Laster olha curiosamente em direção a voz, e vê um homem estranho, aparentando uns trinta e poucos anos, por volta de uns 90kgs, vestindo uma roupa estranha e escura, sendo difícil de distinguir se era um macacão, um sobre tudo ou um monte de pano jogado em cima do corpo. Estava sentado e balançando os pés, encarando o garoto. O mais estranho, é que a abertura em que se encontrava, não estava na parede, mas no meio do ar, no nada, como mágica. Laster fica mudo observando a cena com surpresa.

- Eu posso te tirar daqui, mas só se você me prometer que não vai sair do meu e não vai interagir com ninguém. Isso é importante! – Fala o estranho. Sendo assim, Laster consente em silencio, não vendo outra alternativa. O estranho se levanta, e chuta da abertura uma escada de cordas brilhantes, como se fossem feitas de luz maciça. Laster sobe e pergunta ao estranho quem era ele.

- Eu ajudo as pessoas que ficam presas em suas próprias mentes. – Responde calmamente. – Agora venha, e fique perto de mim. – Eles entram pela abertura, e imediatamente luzes de cores quentes passam rapidamente como feixes ao seu redor, dando a sensação de que eles estavam viajando muito rápido. Instantaneamente já estavam em outro local. Um pouco enjoado, Laster levanta o rosto e observa. Era fantástico. O chão, as paredes e até o teto eram feitos de feixes de luz. Eram como barras que entornavam o local. Laster se agachou para observar melhor o chão. As barras eram como luz maciça, porem era possível ver por dentro dela, pontos brilhantes correndo como sangue corre nas veias. Elas emitiam luz como se fosse uma áurea própria, com vida. Nas paredes, inúmeras portas seguiam por um corredor quase que infinito, com diversas entradas com mais centenas de portas.

- Como é possível...? – Laster boquiaberto diz com dificuldade.

- Bem-vindo ao coração de tudo meu jovem. Legal não é?! Mas agora venha, aqui não é lugar para crianças. – O estranho o apressa e o leva a um corredor que chega num salão enorme. Era tudo inimaginável. As cores eram um pouco mais variadas, mas ainda em tonalidades quentes. Do teto descia uma planta com uns 2 metros de largura, que desabrochava em flores azuis fluorescentes. Ao redor, criaturas com tamanho de um palmo e aparência meio inseto meio homem, literalmente dançavam e brilhavam como vagalumes ao ritmo do som ambiente. Som este, num ritmo nunca jamais escutado por ele, melodias que não conseguia imaginar que tipo de instrumento poderia reproduzir. Seguiu à música e viu uma espécie de banda, e na hora se assustou dando um salto para trás. Sobre um palco incandescente, três criaturas efetuavam uma performance. O do meio era azulado, com dois olhos enormes como de moscas no topo da cabeça, e a baixo uma pequena e enrugada trompa que assoviava um timbre agudo. Seu corpo era ovalado e com pernas extremamente curtas que serviam mais de apoio do que para propriamente andar. Cordas saiam do seu pescoço e iam até sua cintura, como fios de cabelo ou pedaços de tripas. Ele as tocava fazendo o som grave.

O da esquerda era pequeno e estava sentado num banco elevado. Não tinha olhos, mas tinha três orelhas, cada uma de um tamanho e formato diferentes. De suas extremidades saiam inúmeros braços que se mexiam rápidos, porem graciosos. Tocava diversos instrumentos que chega a ser difícil descrever pela confusão e aglomeração de objetos e braços em movimento. E a direita estava uma comprida e gélida fumaça espeça, sem forma especifica, mas que contornava o que parecia ser o microfone e fazia uma melodia ternuosa que lembrava um canto.

Encantado, Laster sentia estar num sonho. Ele viajava seus olhos, explorando esse mundo maravilhoso. Avistava diversas criaturas inimagináveis que se deleitavam no espaço. Em seguida, viu uma espécie de sofá com várias pessoas sentadas. Pela primeira vez viu humanos. Eles estavam acariciando e beijando uns aos outros. Imediatamente Laster teve sua atenção presa, pois nunca tinha visto tanta demonstração de afeto.

O estranho tinha aproveitado para pegar uma espécie de chave com uma criatura atrás de um balcão central, enquanto o menino estava entretido. Aproximou-se então do garoto e disse:

- Isso não é o que você pensa ser.

Laster, olhou para o estranho confuso e retornou seus olhos para as pessoas. Neste momento, as pessoas começaram a derreter umas sobre as outras, se tornando um amontoado de carne derretida. Suas expressões eram de angustia e sofrimento, e gemiam de desgosto. No meio desse amontuado de carne, tinha uma boca enorme com dentes redondos e dois olhos vermelhos encarando o garoto. Os braços das pessoas se esticavam como se quisessem o apanhá-lo.

O susto foi imenso! Sentiu uma gota de suor escorrendo pela nuca enquanto seu coxis congelava. Um grito sufocado o impedia de respirar. Em seguida viu a criatura dar um passo em sua direção, e este foi o estopim que fez a adrenalina de Laster correr por seu corpo, fazendo-o fugir tão rápido quanto corria seu amigo San. O estranho tenta segurá-lo para acalmar, chamando-o por seu nome, mas já era tarde. O garoto havia corrido de volta para os corredores inundados por portas e mais portas. Ele vai em direção da porta que tinha feito ele chegar ali, mas eram tantas que mal conseguia se lembrar. Abriu desesperadamente uma, e avistou uma praia a noite, uma escuridão em tom azul escuro. A praia estava invertida, o mar em cima e o céu em baixo, onde havia rochas enormes flutuantes, como se fossem luas menores que ficavam dentro da atmosfera. Desta porta veio um som tão estrondoso, como se fosse de uma criatura gigante, talvez com o tamanho de uma baleia 100x maior que o normal. O terror do garoto só aumentou. Ele fecha a porta desesperadamente, enquanto escuta o estranho chamando por seu nome, mas ele não queria mais ficar lá, queria voltar para casa. Ele abre a próxima porta, olhando para trás para ter certeza que não estavam perto de o pegar. Seu pé se perde do chão, e o garoto cai em queda livre para dentro da porta. Novamente vê como flashs os bastonetes de luzes passando ao seu redor, e então, acorda assustado no colo de uma bela jovem de cabelos castanhos e olhos verdes.

- Respire meu pequeno, se acalme. – Ela diz com ternura enquanto acaricia o rosto do garoto assustado. Laster estava ofegante e ainda muito assustado. – Foi tudo um sonho, já passou. Agora eu vou cuidar de vc. – Novamente a linda garota de sardas fala ao garoto.

Uma estranha sensação de aquietação vem ao coração de Laster. Por mais que seu cérebro ainda esteja em sensação de perigo por tudo que passou, agora é como se fosse forçado a se acalmar.

- Venha, vou lhe preparar o que comer. – A jovem levanta e lhe estende a mão enquanto sorri. O garoto ainda em choque, começa lentamente a se acalmar, pega em sua mão, e entra na casinha de madeira que estava próximo a eles.

Alguns anos se passam. Laster, agora mais velho, trabalha na horta ao lado da pequena casa de madeira. Muitos legumes ao redor, uma casa de cachorro enorme perto da cerca que circunda a horta. No centro, uma estaca em formato de cruz com roupas e palhas.

- Querida, venha ver! – Grita Laster ansioso. De dentro da casa sai a linda e ainda jovem moça dos cabelos castanhos usando um lindo vestido azul claro florido. – Assim como pediu, um espantalho para vigiar nossa horta! – Ele continua.

- Não só a horta, mas todo o nosso lar. - A jovem completa. – Eu preciso sair por um instante, você olha a comida que está no fogo para mim?

- Claro meu bem. – Ele diz com voz amável.

- Olha lá em, não a deixe queimar. – Ela brinca enquanto lhe aperta a bochecha e se despede.

Alguns minutos depois, Laster ainda mexendo na horta, escuta um barulho por de trás da casa.

- Amor? – Ele pergunta ao vento, mas não recebe resposta. Então ele pega a enxada e vai ao encontro do barulho. Quando chegara perto da esquina da casa, um homem aparece ofegante. Ele olha para Laster, que já estava com a enxada pronta para atacar. O homem fita-o meticulosamente e se espanta dando um solavanco para trás.

- Meu Rel! Finalmente te encontrei! – O estranho suspira. – Mas pelo visto o tempo funciona diferente neste plano.

- O que? Eu te conheço? – Laster pergunta confuso e ainda suspeito.

- Vamos! Precisamos sair daqui antes que ela volte. – O estranho disse em tom de alerta.

- Não vou a lugar nenhum. Saia de minha casa seu maluco! – Laster o ameaça.

- Casa?! – O estranho repete em tom de deboche. – Esta não é sua casa, não o vê?!

- Você está louco! Moro aqui com minha esposa a anos. Você deveria ir embora, tenho que tirar a comida do fogo antes que cause um incêndio na cozinha. – Diz Laster impaciente.

- Cara, esta não é sua casa, você não mora aqui a anos, e ela não é sua esposa! Você é um garoto perdido que se assustou no coração dos sonhos e fugiu de mim a algumas horas atrás. – Ele fala seriamente. - Sabe quantas portas tive que abrir para te achar?!

- Não... – Laster pausa, como se estivesse se lembrando de algo ruim - Você... Aquilo... Aquilo não foi real... Foi só um sonho! – Laster gagueja incrédulo.

- Sim, foi mesmo... E você ainda está em um.

Laster, em choque, lembra do que aconteceu naquele lugar esquisito. Ele esfrega os olhos e encara a paisagem ao seu redor. Estava situado numa ilha com aproximadamente 200m². Porém, a ilha não era rodeada por mar. Na verdade, a ilha estava flutuando nos céus. E ao redor, inúmeras ilhas flutuantes iguais a que estava. A cima, a baixo, ao lado, mas sempre numa distância impossível de se alcançar. É como se acordasse de uma ilusão.

A enxada cai no chão, então sente as mãos estremecerem, e sente como se voltasse a ser o garotinho assustado de antes. Ele olha amedrontado para o estranho e diz:

- Quem...? Quem é ela?

- Vamos logo! Precisamos ir antes que volte! – Impaciente o estranho o pega pelo braço e começa a andar a passos largos. Nesse instante, ambos escutam uma risada abafada e grossa, que lhes transmitem uma sensação horrível. É como se seus pés grudassem ao chão, o estomago revirasse mesmo sem ter comido nada, a garganta secasse e o frio na espinha paralisasse todos seus nervos. O silencio que pairou depois da risada foi mórbido como a morte.

- Chegou tarde demais... – A voz misteriosa completa em tom zombeteiro e satisfatória.

Os dois viram o rosto lentamente, como se soubessem que no momento que avistassem o dono da voz, seus destinos estariam selados. Ao fundo da horta, o espantalho que Laster acabara de construir, inclina a cabeça em sua direção, e apenas um de seus olhos ascende num tom verde esmeralda.

O estranho com rosto pálido, pernas bambas e sem ar, deixa escapar abafadamente:

- Ohnos...!




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