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Juízes do purgatório

  • Foto do escritor: Kevin de Almeida
    Kevin de Almeida
  • 11 de mai. de 2020
  • 14 min de leitura

Atualizado: 10 de set. de 2021




Por Kevin de Almeida




COPYRIGHT 2020 — KEVIN DE ALMEIDA



Todos os direitos reservados, incluindo os direitos de reprodução integral ou em todas as formas.

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros, sem autorização prévia, por escrito, do autor.


Está é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são produtos da imaginação. Qualquer semelhança como nomes, pessoas, locais, fatos e situações do cotidiano deve ser considerada mera coincidência




Produção Editorial: Kevin de Almeida

Capa: Kevin de Almeida Estruturação: Kevin Almeida Revisão: Camila Silvestre





Novembro 2019

Donio senta—se em sua poltrona, pega um cigarro, acende e dá um longo trago.

— Mulher, cola aqui e traz o moleque. — Ele diz enquanto solta a fumaça.

A mulher vem caminhando lentamente enquanto chama por seu filho. De repente, um barulho forte de tiro invade a casa. O cheiro de pólvora dá náuseas, enquanto o zunido no ouvido a deixa atordoada. Ela olha para a porta e vê a marca de bala. Apavorada, vira-se imediatamente para a poltrona do marido que estava em frente à porta. Sua camiseta verde de grife agora está pingando vermelho do ferimento de bala na costela. Tenta pegar a pistola em sua cintura, mas sua mão vagueia bamba pela dor que o atordoa.

A porta é arrombada com um chute forte revelando um jovem alto de calça jeans, regata branca, corrente no pescoço e relógio no punho direito que aponta uma arma em direção à cabeça da esposa de Donio.

— Nem pense nisso! — ameaça o jovem. — JOGA NO CHÃO, AGORA! — ordena aos berros.

Donio levanta uma das mãos e, com a outra, lentamente baixa sua arma.

— Pronto, agora deixa ela ir. Não precisa fazer isso na frente dela. — diz Donio com a voz rouca de dor.

O jovem aponta a arma para a cabeça de Donio enquanto se aproxima e responde.

— Existem dois tipos de pessoas no mundo... — Ele vê os olhos de Donio se arregalarem de espanto. — Aqueles que julgam, e aqueles que são julgados.

Ele encosta a arma na testa de Donio e puxa o gatilho. A sala é preenchida com sangue no mesmo instante que o corpo inerte de Donio cai para trás. A esposa grita cobrindo a boca com as mãos e cai de joelhos chorando.

— Mamãe, o que aconteceu com o papai?

O jovem se vira com os olhos esbugalhados e avista uma criança que acabou de chegar. Ela está em pé ao lado da mãe, olhando o corpo de seu pai sem entender o que está acontecendo pois é muito nova para compreender. Então o jovem encara os dois e aponta sua arma.

— Não! Por favor, nos deixe viver! — A mulher implora puxando seu filho para trás de si, usando seu corpo como escudo.

— Acredite, eu sei como a vida de vocês iria terminar — Ele responde cabisbaixo, o olhar vazio e distante. — É melhor assim. — Duas vezes o gatilho é puxado, uma bala para cada vida. Em seguida, ele observa a cena toda, põe a arma em sua boca, fecha os olhos e atira uma última vez.


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— É sério?! É ele que você quer que eu julgue?! Ele nem sequer merece um julgamento!

— Todos merecem um julgamento, meu caro.

— Mas olhe pra isso! Ele matou um pai em frente a sua família, e depois executou, a sangue frio mãe e filho juntos. Não tem o que decidir aqui. Inferno e pronto.

— Você quer condenar a alma de alguém pela eternidade baseando-se apenas em cinco minutos de uma vida de vinte anos? Como vai saber que seu julgamento é justo?

— Essa é fácil! Não importa como foi a vida dele, ele matou! Então tem que pagar com a vida.

— Mas e se o homem que ele matou tivesse matado outros antes, isso também não seria justiça na sua concepção?

— Sim! Mas levar a esposa e o filho extrapolou a situação. Eles estavam desarmados! Não tiveram como se defender.

— Concordo. Mas por que você acha que ele fez isso?

— Porque ele é um delinquente, óbvio! Mau caráter, sangue ruim. Não tem sentimentos por ninguém.

— E por que acha que ele se matou no final?

— Porque é um covarde, é claro! Sabia o que fariam com ele na cadeia, isso se não fosse espancado pela polícia antes. Escolheu o caminho fácil, quis escapar de seu julgamento.

— Não há como escapar do julgamento. Você acha que se matar é uma escolha fácil?

— Bem... não sei ao certo, mas foi mais fácil morrer ali do que sofrer anos na cadeia, imagino.

— Vamos observar como foi a vida dele para tentar entende-lo melhor.



Outubro 2019

Após mais de duzentos degraus, o jovem finalmente chega em casa com as mãos ocupadas por sacolas e grita para sua mãe:

— Mãe, trouxe o pão. Espero que o café esteja pr... — Ele se interrompe vociferando. — MÃE! O QUE A SENHORA TÁ FAZENDO? DESCE DAÍ JÁ!

— Não chegue perto de mim! Você não é meu filho! — A senhora em prantos diz chorando.

— Usou droga, mulher! Claro que sou eu! Desce daí, pelo amor de Deus!

— DEUS?! Não ouse falar no nome dele depois do que fez! Você não tem direito!

— Ele nunca esteve do nosso lado, a senhora sabe disso!

— ELE SEMPRE ESTEVE DO NOSSO LADO! — Ela vocifera! — Você que nunca esteve do lado dele. Sempre tão cheio de ódio, rancor, amargurado com o passado. Olha o que este caminho fez com você!

— O que a senhora queria? Que eu frequentasse a casa de um Deus que acolhe aquele homem?! Então Deus também é meu inimigo. Aquele homem fez isso com a gente, e eu...

— VOCÊ FEZ ISSO CONSIGO MESMO! — Ela o interrompe. — VOCÊ escolheu trilhar o mesmo caminho que aquele homem, e olhe no que isso te transformou!

— Me transformou naquele que fará justiça àquele bastardo!

— Te transformou no mensageiro da morte! Num assassino!

— ELE TEM QUE PAGAR PELO QUE FEZ A NÓS!

— E É VOCÊ, O ASSASSINO DA IGREJA QUE VAI LHE DAR O CASTIGO?!

— Não me chame assim! — Desviou o olhar. — Graças a isso, agora eu sei onde ele está.

— A que custo, Gabriel?! Eram pessoas inocentes!

— Eles eram amigos dele mãe, não eram inocentes!

— E você acha que só atingiu os amigos?! Tem certeza que ninguém mais se feriu? — Ela diz, seguido de um breve silêncio. — ME RESPONDA!

— Há sacrifícios nesse caminho, mãe! Eu não sou um herói!

— Tem razão. Não é um herói. E também não é meu filho. É apenas um pobre coitado perdido, corrompido pelo ódio que te transformou no monstro que é hoje. Eu não te criei pra isso. E não quero mais ver a desonra que me causa. — Ela inclina o corpo para trás.

— NÃO, MÃE! — O jovem tenta alcançar sua mãe, mas já é tarde, ela havia se jogado da sacada de frente para o morro.


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— Se isso era para me convencer a salvá-lo, você errou feio.

— Por quê?

— Por quê?! — Solta uma leve risada de deboche. — Ele matou a própria mãe!

— Está errado. Ela se suicidou.

— Por desgosto daquele desgraçado.

— A escolha ainda foi dela.

— Mas a culpa foi dele!

— E isso vai pesar em sua mente pelo resto de sua vida. Imagina a dor de se sentir culpado pela morte da própria mãe, daquela que talvez tenha sido a única que o amou verdadeiramente em sua vida. Ele não tem mais ninguém por ele, sabia? Carregou este fardo sem ter com quem compartilhar, sem ter alguém para aliviar a sua dor.

— Bem feito!

— Não seja rude consigo.

— Comigo?

— Sim. Toda vez que é rude com alguém, é rude com você mesmo.

— Isso não faz sentido.

— Quando elogia alguém, você causa bons sentimentos para essa pessoa, ela fica feliz e retribui estes sentimentos. O inverso também é verdadeiro. Se causar sentimentos ruins a alguém, estes sentimentos irão voltar a ti.

— Você viaja nas ideias.

— Me diga, o que mais você vê?

— Eu não acredito que a gente vai continuar com isso.

— Seja paciente e observe o contexto.

— O que quer que eu observe?

— Me diga você.

— Ele é um assassino. E, ao que me parece, ele matou alguém na igreja.

— E o que mais?

— Mais? Precisa de mais? Ele matou na casa sagrada de Deus.

— O mundo é a casa de Deus, meu caro. Todo lugar é sagrado.

— Tá. Mas ainda assim ele matou.

— Sim, ele matou. Então, se um homem mata um assassino em série para evitar mais mortes, eu devo condená-lo ao inferno?

— Não! Este é um herói.

— E o que difere o “herói” de Gabriel? Você sabe quem ele matou? Sabe os motivos dele?

— Não. — Ele responde cruzando os braços e desviando o olhar. — Ainda assim, ele disse que é inimigo de Deus.

— Ele não conhece Deus. Se o visse em sua frente, não o reconheceria. Sempre esteve cheio de dor e sofrimento dentro do coração e transformou isso em um ódio tremendo. Não há espaço no mesmo coração para ódio e Deus.

— Então está me dizendo que o que ele fez não foi errado.

— Eu não disse isso.

— Pois então?

— Tenha calma, continuemos a observar.



Fevereiro 2004

— Esse é o garoto?! Pequeno desse jeito?! — diz Dudu descendo a rua de barro.

— Não se engane, ele bateu tanto no Serginho que ele foi parar no hospital. — responde Topor.

— Mas o Serginho é o dobro do tamanho dele, e pelo menos uns quatro anos mais velho.

— Pois é.

— Ei garoto, venha cá. — chama Dudu — Você é o Gabriel, né? Quantos anos você tem?

— Tenho sete.

— Foi você que espancou o Serginho? — Gabriel dá um passo para trás e abaixa a cabeça. — Eu te fiz uma pergun...

Ele é interrompido com um murro no queixo dado pelo pequenino que, imediatamente, se vira de costas e tenta correr. Porém, Topor o segura firme pelo braço.

— ME SOLTA, SEU DESGRAÇADO! — O garoto se debate e tenta acertá-lo com pontapés, mas sem sucesso pois Topor é bem maior e mais forte.

— Se acalme, moleque! Não viemos te bater, viemos te fazer uma proposta. — diz Dudu massageando o queixo após a pancada. — Aliás, belo soco!

O garoto confuso se acalma, mas mantém-se alerta.

— Quem te ensinou a se defender assim?

— A vida. — responde amargamente.

— Hahaha esse baixinho é uma figura. — Topor se diverte.

— Você é o garoto da casa 43, né? — pergunta Dudu. Gabriel arregala os olhos e fecha o rosto parecendo mais hostil. — Relaxa, garoto, não precisa pagar de durão, dá pra ver na sua cara a dor que sente.

— Aquilo foi triste, ninguém deveria ver o que tu viu. — completa Topor. — Bem-vindo ao mundo dos adultos.

— Aposto que quer fazer justiça com suas próprias mãos, não é mesmo? — O jovem fisga a atenção do garoto, que agora o olha com fogo nos olhos. — Posso te oferecer isso.

— O que tenho que fazer? — Gabriel pergunta curioso.

— Apenas se juntar a nós, os FCO.

— “Família, Comando E Ordem”, já ouvi falar. São vocês os que controlam a região por aqui, né? — continua o pequeno.

— Isso mesmo, garoto, tô vendo que fez a lição de casa.

— Não posso... minha mãe diz que tenho que estudar pra ser alguém na vida.

— E você acredita nisso, moleque?! Quantos doutores você já viu aqui na comunidade?

— Bem... — Para um tempo para refletir. — Tem o Dr. Júlio, da rua 23.

— O Dr. Júlio é um gênio, desde criança tirava 10 em tudo. — Topor gesticula. — Tuas notas são boas, garoto? — O garoto nega com a cabeça. — Então... conhece outro Doutor? — Ele nega novamente.

— Isso aí é papinho dos burguês pra deixar a gente na linha. — resmunga Dudu. A gente não vira alguém estudando não, moleque. É pela FCO que a gente fica famoso! Fala aí, quantos nomes você conhece da gangue?

— Uns 15 — O garoto responde após contar nos dedos.

— Viu! E também, estudar não vai te trazer a justiça que você quer, mas nós vamos!

— Isso mesmo, podemos te dar armas, te ensinar a usar, e até vamos te pagar. Tu vai fazer seu nome e sentar bala naquele desgraçado! — Topor o incentiva.

— Pensa nisso, moleque, sua mãe fala pra você estudar pra não ter problemas. Mas adivinha só. A vida é um problemão! Não dá pra evitar problemas, você tem que acabar com eles!

— Isso mesmo! Aliás, tua mãe vai ficar orgulhosa quando souber que tu vingou o orgulho da família.

— Minha mãe não vai gostar se eu entrar nisso aí. — Gabriel fica olhando para o chão em tom pensativo.

— Mas quem disse que ela precisa saber? Faz na miúda, vai depois da aula pra ela não desconfiar. E aí conta só depois que matar o puto. Imagina a surpresa dela! Ela gosta de surpresas, não gosta?

— Sim... — O garoto concorda cabisbaixo.

— Isso aí, moleque! — Topor fala em tom animado! — Amanhã tu cola com a gente. Tu vai adorar, principalmente a parte da mulherada e das paradinhas que vamos usar hahaha.


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— E então?

— Ele é um marginal desde os sete anos. Já brigava desde criança.

— Você ouviu o que ele disse sobre a vida?

— Que a vida o ensinou?!

— Exatamente. O garoto parece traumatizado. Amargurado.

— Mas ele bateu logo nos outros, nem sequer ouviu o que tinham pra falar.

— Sim. Ele havia batido no amigo deles, o Serginho. O que acha que passou na mente dele quando foi questionado por dois garotos mais velhos sobre seu ato de violência?

— Bem, deve ter pensado que eles foram lá pra dar o troco.

— É provável. Talvez por isso ele tenha agido antes, para ter alguma vantagem de escapar. Ele estava com medo, machucado internamente, por isso machuca os outros.

— Tá, tá. Já vi que você é o defensor dos sem causa. Mas me diz, então, ele entrou para o crime ainda quando criança. É delinquente de nascença.

— Por que ele entrou para o crime?

— Por vingança. O moleque escolheu o caminho da violência desde cedo.

— Escolheu ou foi influenciado?

— Escolheu, ora! Foi de vontade própria.

— Me tire uma dúvida. Se a mãe de uma criança de sete anos deixar duas bandejas, uma com doces e guloseimas, outra com frutas e legumes, e disser que a primeira é uma delícia, mas não é saudável, e que a segunda é saudável, mas não é tão gostosa, qual você acha que a criança escolherá?

— A de guloseimas, claro.

— Por quê?

— Porque a criança tá preocupada com o gosto, e não com o que vai acontecer com o corpo dela no futuro.

— Exatamente. Crianças querem sanar suas vontades, e não suas necessidades. Sempre optam pelo prazer momentâneo, não pelo ao longo prazo. Nessa idade, elas ainda não têm um senso aguçado de consequências futuras. — O outro nada responde perante esta argumentação. — Você acha que uma criança de sete anos tem discernimento para fazer uma escolha dessas?

— Ele traiu a mãe! — responde evasivo. — Quis ficar com os garotos que acabou de conhecer.

— Qual filho jamais se rebelou contra os pais? — Mais uma vez, segue o silêncio. — Me diga, qual era a vontade da criança?

— Fazer “justiça” — zomba na fala. — Ele queria mesmo era se vingar, matar alguém!

— A mãe dele dava suporte a isso?

— Talvez. — Ele dá de ombros. — Ela falava para o garoto estudar, ele poderia se tornar um policial, ou quem sabe um juiz, e então teria a verdadeira justiça.

— Teria mesmo?! E se o homem fosse inocentado? Além do mais, o argumento de se tornar alguém na vida foi quebrado pelas falas dos jovens que o abordaram. Sua mãe batalhava pelas necessidades do garoto, já os garotos foram diretos em sua vontade.

— Viu, o garoto tinha vontade de ir pro crime então.

— Mais uma vez, eu não disse isso, tome cuidado com suas conclusões precipitadas. Os jovens o influenciaram a acreditar que o caminho de sua mãe nunca iria satisfazer suas vontades, enquanto o crime lhe traria “justiça”, reconhecimento e poder. Infelizmente, a realidade em que vivem reforça este tipo de pensamento.

— Isso não é desculpa! O garoto tinha um exemplo de doutor e a educação da mãe dele, se ele escolheu esse caminho, foi porque era mau caráter desde sempre.

— Um doutor que teve notas altas desde sua infância. E inúmeros criminosos respeitados. Com as notas do garoto, em qual deles você acha que o garotinho conseguiria se espelhar?

— Não gosto como você defende este criminoso. — responde incomodado.

— Ele é uma criança. A mãe ofereceu a bandeja com os vegetais, já os garotos, a de guloseimas.

— Tá, já entendi. Mas ele assassinou o homem quando tinha vinte anos, não é mesmo? Ele teve treze anos para mudar seu pensamento e se redimir.

— Treze anos em que conviveu com pessoas com essa mentalidade, que o incentivavam e o parabenizavam pelos seus atos ruins, reforçando seus comportamentos e lhe ensinando nada mais que crimes. Como ele buscaria outro caminho se não lhe foi mostrado algo além disso?

— Não sei por que continua a defende-lo.

— Meu papel é mostrar os dois lados da moeda. Como você só está olhando um lado, eu devo lhe mostrar o outro.

— Não me convenceu. E não importa o que mais me mostre, não mudarei de ideia.

— Espero que reconsidere. De qualquer forma, esta é a última visão.



Março 2001

Gabriel está sentado no chão da sala. Brinca com seu pequeno caminhão azul de plástico, imitando o som de motor com a boca.

— Querido, brinque mais baixinho, mamãe está escutando a TV. — diz a mulher de avental passando roupas em uma tábua de frente à televisão.

— Mamãe, eu quero ir pra escolinha.

— Você ainda não pode, querido.

— Mas o Lucas já vai! Eu também quero!

— O Lucas já tem cinco anos. Logo, logo você também poderá ir.

A porta da entrada se abre repentinamente. Um homem alto com calça jeans e camiseta azul marinho entra desesperadamente batendo a porta a suas costas.

— Rápido, Neide, vai com o moleque pra coz... — Ele é interrompido pelo impacto da porta nas costas, causada por um forte chute pelo lado de trás. Ele cai ao chão enquanto um jovem entra apontando uma arma para ele.

— Papai! — A criança corre de encontro ao homem, mas é impedida por um agarrão de sua mãe em seu braço.

— Por favor, na frente deles não. — implora o homem no chão.

O jovem encosta o cano da arma na cabeça do homem e diz:

— Relaxa, meu velho, a vida vai ensinar pro garoto que existem dois tipos de pessoas. Os que julgam como eu. — Ele olha para a criança enquanto destrava a arma. — E os que são julgados como seu pai. — Então atira a sangue frio.


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— Essa foi rápida. O garoto teve uma vida desgraçada.

— Infelizmente.

— Eu entendo. O que houve com ele foi cruel, mas não justifica os atos dele.

— Não, não justifica.

— Outras pessoas não deveriam sofrer por conta do trauma dele.

— Não, não deveriam. A vida machucou o garoto muito cedo, ele só está representando o que lhe foi ensinado. Um ganha, outro perde. Mas nunca um meio termo.

— Ainda assim defende o garoto?

— Se não eu para defende-lo, quem o fará?

— Então você o perdoaria?

— Sim.

— Não acredito que você mandaria um assassino paro o paraíso.

— Hfff... — suspira calmamente. — Eu não disse que o mandaria para o paraíso.

— Pois então?

— O garoto teve uma vida difícil, cheia de sofrimento, dor e oportunidades errôneas. Seu caminho foi triste. Ele fez maldades, as quais não lhe permitiriam entrar no céu.

— Sendo assim, de que serve o perdão?

— Mais uma chance.

— Como? — indagou confuso.

— Um recomeço. Uma nova vida, novas oportunidades que lhe dessem a chance de fazer diferente.

— Eu não acredito! Quer mandar ele novamente para lá?! Só pode estar louco.

— Pensei que ficaria feliz com isso. Você defende a vida, mas quer matá-lo?

— Claro! Ele fará tudo de novo.

— Como tem tanta certeza?

— Como pode alguém que fez tanto mal fazer algo de bom dessa vez?

— Fazer mal é diferente de ser mau. No princípio ele era bom, mas devidos às circunstancias... — Ele é interrompido.

— Sei, sei. Outra vez o blá-blá-blá do mundo que o corrompeu. Isso é muito bonito na teoria, mas não estou disposto a arriscar mais vidas inocentes para dar mais uma chance a este marginal. Ele já teve a oportunidade, e a gastou dessa forma estúpida.

— O perdão é a chave do céu.

— Uma ova! Se isso é verdade, basta o cretino se perdoar, então?

— Você acha que é fácil se perdoar sinceramente? A maioria das pessoas não conseguem perdoar umas às outras porque não conseguem perdoar a si mesmas.

— Então o perdão tem poder de livrá-lo de todos os seus pecados.

— Não de livrar, mas de não o condenar.

— E faz diferença?! Ele deve pagar pelo que fez.

— E pagará.

— Do seu jeito?! Com uma nova chance? Como isso é pagar?

— Eu lhe daria novas oportunidades, mas todo sofrimento que causou lhe retornará. Pessoas boas também sofrem.

— Não! Ele causou dor, então deve pagar com dor! Você disse que eu daria a sentença final, estou correto?

— Sim.

— Então está decidido. Eu escolho a condenação. Ele pagará pelo que fez da pior forma. Ele buscou por vingança, e a vingança o consumirá.

— Tristemente irônico.

— O quê?

— Tem certeza?

— Absoluta!

— É realmente uma pena. — Ele consente enquanto o encara tristemente. Uma labareda de chamas repentina envolve seu companheiro. O fogo cresce exponencialmente, consumindo-o de forma rápida.

— O QUE É ISSO?! POR QUE ESTOU QUEIMANDO?! PARE! POR FAVOR! NÃO É JUSTO!

— Esta é a justiça que você escolheu.

— MAS NÃO PARA MIM! O QUE EU TENHO A VER COM ISSO?! SOCORRO!

— Ainda não entendeu? Se tivesse lhe dado outra chance... — Ele se vira enquanto seu companheiro queima e grita até não sobrar mais nada.

1 Comment


Otavio Alves
Otavio Alves
May 26, 2020

Gostei d+ do texto, a forma como a história esta estruturada me arrepiou, e esse final épico d+!!!

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